Rouanet vai poupar museus, mas atacar musicais
Embora tenha anunciado a redução do teto da Lei Rouanet para R$ 1 milhão –atualmente cada proponente pode captar até R$ 60 milhões anuais–, o governo de Jair Bolsonaro abrirá exceções.
Entre elas, poderão ultrapassar o teto ao menos os programas anuais de museus e orquestras, além de festivais e bienais. O anúncio do teto de R$ 1 milhão foi feito por Bolsonaro nesta segunda (8), em entrevista à Jovem Pan. "Tem gente do setor artístico que está revoltado. Eles querem algumas exceções. Eu acho que não tem que ter exceção nenhuma", disse o presidente.
A Folha de S.Paulo apurou, contudo, que o limite não vai valer para alguns casos específicos. A nova instrução normativa da lei deve ser anunciada nesta quinta (11). Segundo produtores e empresários do setor cultural, o teto, da forma como anunciado pelo presidente, representaria o fim de programas importantes e tradicionais, como a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
Pela forma como Bolsonaro se expressou, produtores entenderam que mesmo os projetos de notório interesse público seriam revogados. Numericamente, o impacto da decisão de Bolsonaro não atinge a maioria dos 2.875 que captaram recursos pelo mecanismo de incentivo no ano passado. Destes, apenas 288 ultrapassaram o valor que o governo propõe como limite.
Neste novo cenário que se desenha, é praticamente certo que os principais prejudicados serão os musicais, que são caros e dependem das leis de incentivo. Eles não devem ser listados entre as exceções.
Para se ter uma ideia, no ano passado o Ministério da Cultura (que hoje virou uma subpasta no Ministério da Cidadania) autorizou o espetáculo "O Fantasma da Ópera" a captar R$ 28,6 milhões, o que causou polêmica. A produção acabou conseguindo captar, ao fim, quase R$ 14 milhões desse total. Já o espetáculo "Bem Sertanejo", por sua vez, captou R$ 7,3 milhões.
Entre todos os projetos do ano passado que ultrapassam o R$ 1 milhão agora proposto, 30 são musicais. "É indubitável que os musicais geraram uma máquina de emprego e de renda. Talvez devesse mesmo haver um limite, mas R$ 1 milhão não coloca um musical de pé", diz Cristiane Olivieri, advogada especializada no mercado de cultura.
O presidente Bolsonaro repetiu à rádio algo que diz desde a campanha ao Planalto. A lei, segundo ele, serviria para a esquerda comprar apoio político dos artistas. Entre os projetos que passaram do valor do novo teto, contudo, não há nenhuma turnê individual. É importante lembrar que já há uma instrução normativa que limita os cachês artísticos a R$ 45 mil, no caso de apresentações solo, e R$ 90 mil no caso de grupos.
Com projetos acima de R$ 1 milhão, estão grandes museus como o Masp e a Pinacoteca. Além disso, também aparecem bienais, festivais e feiras, como a Flip e a Mostra Internacional de Cinema. Na visão de Heitor Martins, presidente do Masp, a Rouanet é um instrumento fundamental para o financiamento de sua instituição e de muitas outras. "O museu recebe todos os anos mais de R$ 15 milhões [em incentivos fiscais]. Assim, o limite de R$ 1 milhão teria um impacto significativo", afirma Martins.
"Imagina-se que a Rouanet é boa para divulgar artistas, cantores. Claro que isso também é importante, mas não é a única coisa, você tem orquestras sinfônicas do mundo inteiro que vêm para cá, grupos de dança, entre outros", lembra Ricardo Ohtake, presidente do Instituto Tomie Ohtake.
"Estamos conversando com vários projetos. Queremos fazer, por ocasião da Bienal de 2020, algumas exposições extremamente importantes, como a do [fotógrafo] Pierre Verger. Em 2021, vamos fazer com o Masp uma chamada 'Histórias Indígenas', nos mesmos moldes de 'Histórias Afro-atlânticas. Ou a gente não faz ou vamos fazer exposições extremamente tímidas."
Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas divulgado no ano passado, em 27 anos desde sua criação, a Lei Rouanet permitiu a realização de 53.368 projetos que injetaram um total de R$ 17,6 bilhões na economia criativa brasileira, ou R$ 31,2 bilhões se considerada a inflação.
Fonte: Maurício Meireles, Gustavo Fioratti e Lucas Brêda / FolhaPress
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